Olhe através de sua alma...

Uma paisagem qualquer é um estado de alma, segundo o filósofo Henri Amiel. Assim, ao olharmos várias vezes uma paisagem perceberemos sempre algo diferente e experimentaremos emoções distintas.

31 maio 2011

A MEMÓRIA E AMNÉSIA COLETIVA


Henry Rousso afirma, em seu texto, A memória não é mais o que era, que consta do livro Usos e abusos de história oral (1998), que “seu atributo mais imediato é garantir a continuidade do tempo e permitir resistir à alteridade, ao ‘tempo que muda’, as rupturas que são o destino de toda vida humana; em suma, ela constitui – eis uma banalidade – um elemento essencial da identidade, da percepção de si e dos outros”.

 
Elementos que são suporte da memória coletiva são percebidos no cotidiano, apesar das rupturas que ocorrem ao longo da história e nos impedem de percebê-los integralmente.

A ausência da memória é a amnésia, que conforme adverte Jacques Le Goff, em História e Memória (1988), pode gerar graves pertubações de personalidade. A perda da memória coletiva pode determinar graves pertubações na identidade coletiva.

Quem saberia contar a história desta igreja? De onde nossos sentidos podem percebê-la? Até onde nosso olhar a alcança?


Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Vitória/ES. Fonte: PMV.

A igreja foi construída por volta de 1765, com autorização do bispado da Bahia, e foi iniciativa dos homens negros e pardos que integravam a Irmandade dos Homens Pretos. 
Tombada em nível federal pelo IPHAN não é vista integralmente em nenhum ponto da cidade.
Como mantê-la viva na memória coletiva?

29 maio 2011

ESPAÇO E LUGAR.

Yi Fu Tuan, afirma em sua obra Espaço e lugar: a perspectiva da experiência  (publicado em 1983) : "o lugar é um mundo de significado organizado" . Para Tuan  há uma afetividade nas relações do homem com o lugar. Assim a humanidade desenvolveu ao longo da história espaços com densidade de significados.
 Encontro de Folias em Muqui/ES, 2010 (Foto Lu Pessotti).
 "A sensação de tempo afeta a sensação de lugar. Na medida em que o tempo de uma criança pequena não é igual ao de um adulto, tampouco é igual sua experiência de lugar."  Na vivência e na experiência com os espaços lhe atribuimos significados. Nestes momentos o "conceito" de espaço se funde com o de lugar. Não pertecemos aos espaços, pertencemos aos lugares.

As experiências são guardadas na memória, e tranforma-se nas nossas histórias, nas lembranças. Ao evocarmos o passado, evocamos a experiência do lugar. Como seria relembrar e repetir uma experiência sem o lugar onde ela se deu?


Bandeira com São Sebastião. Encontro de Folias em Muqui/ES. (Fonte: http://www.camaramuqui.es.gov.br/museu_virtual_HistoriaMuqui_FoliaReis_Fotos.asp)
No âmbito da preservação dos espaços históricos cabe refletir sobre as tradições locais, as manifestações culturais que tem nestes lugares seu suporte.
Mas que a preservação da materialidade preserva-se a memória, a história e as tradições.



Sítio Histórico de Muqui/ES, 2010 (Foto Lu Pessotti).


O desafio da contemporaneidade é preservar não só a matéria, o suporte, mas o intangível que lhe dá significados múltiplos sedimentados ao londo do tempo.

27 maio 2011

ITAPINA - SÍTIO HISTÓRICO DO ESPÍRITO SANTO








Localizado a noroeste do Espírito Santo, o município de Colatina, onde está o distrito de Itapina, está a 120 km da capital Vitória, sendo 60 km pela BR-259 até o município de João Neiva e o restante, de João Neiva até Vitória, pela BR-101.

Itapina está a 30 km da sede (Colatina), e seu núcleo urbano desenvolveu-se às margens do Rio Doce na passagem do século XIX para o século XX.

O distrito foi um dos locais que obteve maior destaque na produção de café na primeira metade do século passado.

No ano de 2010 tivemos a oportunidade de realizar o Levantamento e Diagnóstico do Sítio Histórico de Itapina, no âmbito do Programa de Preservação de Sítios Históricos do Espírito Santo, marco fundamental da preservação do patrimônio cultural, que delineamos junto com a Secretaria de Estado da Cultura (SECULT). Pudemos constatar que vários são os desafios para revitalizar este marco da história espíritosantense.

Itapina enfrenta o isolamento econômico e social. Este isolamento trouxe conseqüências graves para a manutenção de sua vida cultural. Sendo assim, a conservação de seu rico patrimônio está ameaçada.

É urgente a necessidade de se investir na requalificação não só do espaço urbano e do casario, bem como, na revitalização econômica e social.

Itapina compõem com seus elementos construídos, naturais e suas referências culturais uma paisagem cultural.

O geógrafo Milton Santos define paisagem como um palimpsesto, um mosaico, (...) que tem um funcionamento unitário. A paisagem pode conter formas viúvas e formas virgens. As primeiras estão à espera de uma reutilização, que pode até acontecer...

Para a preservação do patrimônio cultural de Itapina é necessário um novo fluxo de energia vital, um novo frescor.

Sua materialidade está entre a agonia da estagnação que ameaça sua integridade e a esperança daqueles que com muitos esforços estão lutando pela sua preservação.

Fotos by Lu Pessotti em janeiro de 2010



18 maio 2011

O OLHAR EM PROFUNDIDADE

Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro? (...) É janela do corpo humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo (...) Quem acreditaria que um espaço tão reduzido seria capaz de absorver as imagens do universo?
Leonardo da Vinci

A Última Ceia:  a perspectiva que induz o olhar a ilusão. A rigorosa geometria da perspectiva da obra de Leonardo da Vinci está associada a gestualidade e ao movimento.

A técnica da perspectiva é atribuída ao arquiteto Filippo Brunelleschi (autor da cúpula da catedral de Florença) na década de 1420. Leon Alberti tratou da perspectiva no tratado Da Pintura (1435). O objetivo é a representação do espaço em profundidade na pintura.

A perspectiva pode ser considerada uma dos principais contribuições do Renascimento, pois, permitiu não só a representação como a percepção do espaço em profundidade. Ou seja, a perspectiva instaurou um novo olhar.

De uma janela podemos induzir nosso olhar, organizar a paisagem, recriar e reorganizar os elementos da paisagem segundo suas posições e escalas.

Mas, afinal, das janelas de outrora que abriam para amplos horizontes, e das janelas de agora que se abrem para fragmenos espaciais, que perspectiva temos dos espaços que nos cercam?


Vista do  Mosteiro São Bento em São Paulo.
Foto de Naldo Gomes
Elementos da paisagem.urbana...Em que perspectiva podem ser retratados?  Poderia nosso olhar recriar uma nova percepção do mundo em meio a paisagens urbanas com tantos objetos dispostos?

Não ao acaso advertiu Erwin Panofsky, no ensaio Die Perspektive als symbolische Form, datado de 1927: "A perspectiva é, por natureza, uma espada de dois gumes".

Todo sistema perspéctivo é plural e contém em si o espaço e as diferentes temporalidades.
Talvez, então, a perspectiva que nosso olhar é capaz de captar (perceber? construir?) não seja tão aleatória, mas, pode ser uma técnica (ou ausência desta) aplicada no âmbito do planejamento urbano para a valorização ou "obstrução" de importantes elementos que constituem nossos espaços.
Cabe aqui uma reflexão...


   Reconstituição da experiência perspéctica de Brunelleschi (1377-1446) em Florença, c. 1416.
Illustrations by Jim Anderson